Entra ano e sai ano, pais e mães vivem uma mesma rotina durante as últimas semanas de janeiro: pesquisa cuidadosa de preços para o material escolar, compra de uniforme, reunião de pais e mestres, correria geral.
Imergida nessa rotina, fui surpreendida com uma novidade: meu filho de cinco anos foi convidado para sua primeira promoção. Sim! Promoção. Assim como nas empresas, ele foi avaliado e classificado como apto para assumir “um novo posto” e ingressar em uma nova etapa.
Mãe vaidosa que sou, me orgulhei pelo convite. Entretanto, por mais preparado que ele esteja a entender, assimilar e conectar-se com todo o universo ao seu redor, optei em dar-lhe o direito de ser criança por mais tempo. Afinal, qual seria o objetivo de antecipar vivências que automaticamente virão com o seu desenvolvimento e privá-lo de momentos que se não forem vividos agora podem nunca mais acontecer?
Educar, sob qualquer condição, exige a visão do ser humano como um sistema complexo. Suas propriedades são conseqüências naturais de elementos que não podem ser vistos isoladamente e envolvem múltiplos agentes e variáveis que interagem entre si e entre o meio em que estão inseridos. Não há um “manual de instruções” que garanta a melhor escolha, mas certamente era preciso analisar mais do que suas lições de casa para decidir se esse seria o momento de encarar a “promoção”.
Busquei me lembrar do processo da formalização do ensino, conversei com amigos, despertei meu lado pedagoga e assumi minha responsabilidade pelo processo de desenvolvimento do meu pequeno.
Hoje, trabalhando mais de 12 horas por dia, seria inconcebível abrir mão da escola para uma boa formação educacional de meus filhos, mas assumir meu papel nessa decisão foi fundamental. Antes da institucionalização das escolas toda a aprendizagem acontecia em casa. Pais ou tutores eram os únicos responsáveis por momentos de ensino e aprendizagem. Com a Revolução Industrial e o crescimento das populações, essa forma de produzir e transmitir conhecimento ficou inviável. Os pais deixaram suas próprias casas e, para sobreviver, tiveram de se ligar às fábricas, não lhes sobrando tempo para ensinar os filhos. Por outro lado, os saberes que as fábricas e a vida urbana passaram a demandar também não poderiam mais ser aprendidos apenas em casa. Crescer passou a ser um processo dialético onde as escolas deveriam ensinar e as famílias, educar.
Mas será que temos feito nosso papel com responsabilidade ou delegamos a aprendizagem para que aconteça apenas na escola? Para ser humano, basta conquistar o saber legitimado por um diploma expedido por uma escola oficial? O que fazer com as crianças que desejam aprender coisas diferentes daquelas prescritas pelos programas escolares? Curtir a pré-escola ou correr para o ensino fundamental? Quantas questões foram motivadas pelo simples convite à promoção do meu filho...
Recordo-me das aulas na faculdade de pedagogia onde estudávamos a importância da educação infantil para bons processos de alfabetização. Você sabia que uma criança com 10 anos que cursou a pré-escola tem um desempenho escolar na média 28%, 30% acima daquela que não teve educação infantil? Privar meu filho desse momento (seja por vaidade, economia ou conveniência) poderia comprometer seu desempenho escolar, sua vida acadêmica ou profissional.
Para entender seu efetivo estágio de desenvolvimento, bem como de qualquer outra criança, era preciso ir além e transcender a avaliação de sua capacidade cognitiva. Trata-se de perceber como elas se relacionam com seus amiguinhos, como desenvolvem sua percepção motora e praxia, sua memória, atenção, crítica, planejamento, comportamento, raciocínio, etc. Além da cognição, existem aspectos como a percepção espacial, corporal, visual e temporal que serão fundamentais para um bom adulto no futuro. Avaliá-las de forma pontual e sob uma mesma técnica não funciona nem mesmo com crianças de uma mesma família. Cada ser humano requer uma atenção própria e também uma maneira de ser educada.
Cumpre-me salientar que não desejo minimizar a importância do processo cognitivo e do aprendizado formal de algumas disciplinas do currículo escolar. Entretanto, é preciso ressaltar também o valor de momentos em que o desenvolvimento acontece no “com-viver” e no “com-partilhar” conteúdos aparentemente “menos importantes”. Aprender a ser é tão importante quanto conhecer a nota de matemática no boletim de final de ano. Não deixe que as cobranças, as notas e os processos tradicionais dos sistemas educacionais matem a sede de curiosidade e a criatividade natural das crianças em seu desenvolvimento. Cada etapa tem que ser respeitada e vivida de forma plena!
Por isso, nessa volta às aulas, eleve seu pensamento para além da rotina. Reflita sobre o que deseja proporcionar a seus filhos em longo prazo e não terceirize sua responsabilidade em oferecer-lhes as oportunidades que puder HOJE. Afinal, para viver o futuro sempre haverá uma chance, mas para reviver o que ficou no passado, não existe nenhuma alternativa.
Se perdi a chance de economizar um ano de mensalidades escolares ao negar a primeira “promoção” do meu pequeno, faço render a esperança de que não haja um dia sequer em sua vida em que ele sinta falta de ter brincado e desfrutado seu talento mais extraordinário: ser criança.
ANA MARIA MAGNI COELHO
Publicado no Caderno Opinião – MogiNews
29 de janeiro de 2011
Oi, essa é a primeira visita que faço ao teu blog e fiquei muito interessada por tudo o que estou encontrando nesse primeiro momento!
ResponderExcluirAqui não falo como professora, como mestre em educação, mas como mãe: criança precisa ser criança. Brincar, aprender com quem tem a mesma maturidade emocional e não queimar etapas.
Dá muito orgulho, sim, saber das capacidades avançadas dos nossos pimpolhos; mas mais orgulho ainda teremos de eles terem vivido cada etapa ao seu tempo e não precisarem retroceder no futuro, buscando um tesouro perdido.
Beijos da tua nova amiga!
Ingrid
Oi Ana! Parabéns pela reflexão. Vc está certíssima! O meu pequeno entrou no 1º ano de pré (aos 4 anos) já sabendo ler e escrever, mas msm já sendo alfabeitzado o processo no pré foi super importante para o desenvolvimento da coordenação motora e da noção de corpo e espaço. Ele fez a 1ª série no ano passado e fiz uma avaliação com ele em um órgão especializado na própria prefeitura da minha cidade. Este ano ele pulará para a 3ª série e estou muito apreensiva mas tb muito orgulhosa da capacidade dele. Se ele precisar de fazer um trabalho paralelo ou alguma atividade de complementação estarei a disposição dele para o processo. Se eu estivesse trabalhando talvez a promoção de série agora não seria a minha opção.
ResponderExcluirOi. Adorei seu texto e concordo plenamente! Queriam promover meu filho e nós (eu e marido) não apoiamos a decisão da escola, Então os incomodados q se retirem, fomos procurar outra escola que deixasse ele ser criança, apesar de saber ler e escrever. Eu acho q ele não está maduro e nem eu quero apresar ele entrar no mundo de horários, temas e muitas responsabilidades, ainda!
ResponderExcluirAdorei seu blog. Abraços, gisele
Oi Ana,
ResponderExcluiramei o seu post.
Nossa, concordo plenamente com a sua decisão.
A minha filha mais nova será alfabetizada esse ano. E me questionei muito pois ela é do meio do ano. Acabei ficando sem a opção de postergar essa fase pois a escola dela fechou e para isso eu teria que mudar de escola duas vezes seguidas. Então achei melhor ela ir para a escola grande e não ter que passar elo processo de mudança de escola duas vezes de um ano para o outro.
Parabéns pelo post.
beijos
Chris
http://inventandocomamamae.blogspot.com/
Oi Ana, excelente seu texto!
ResponderExcluirMuita coisa para refletir sobre ele e para repensar e resignificar com relacao a educacao das nossas criancas.
Infelizmente, muitas vezes, como pais pecamos em nao pensarmos em todos os aspectos e nos apegamos "somente" ao mais pratico; por conta da correria do dia-a-dia.
Permitir que a crianca brinque e disfrute desses momentos (na escola e/ou em casa) e' um direito dela e precisamos respeitar.
Vou guardar seu texto, pois quero re-lo muitas vezes ainda.
Abracos e otima semana para voce.
Gra
Ana, ao contrário de você eu confiei na decisão da escola e aceitei a "promoção"da Carol, não foi custo financeiro, nem vaidade, eu me senti despreparada para enfrentar aquilo que a pedagoga da escola colocava de maneira tão certa.Agora, de...pois de um segundo ano bem difícil para ela, reavaliamos e voltamos atrás, trocamos de escola e ela fará de novo a série, nem tanto por não acompanhar a parte "racional"da coisa, mas porque a maturidade emocional dela não corresponde a responsabilidade exigida para o passo seguinte, já que hoje a alfabetização acontece nos dois primeiros anos. Ela terá um ano muito mais fácil, mas, o principal, é que sua base escolar seja realmente sólida, afinal, os desafios só aumentam daqui para frente.
ResponderExcluirHá quase três anos atrás quando chegávamos a São Paulo a escola queria colocar meus trigêmeos no primeiro ano direto. Em Porto Alegre eles estavam na escola infantil III. Não aceitamos. Estávamos chegando aqui em maio.Não me arrependo em nada da nossa decisão. Eram muitas mudanças, cidade, estado, escola, separação dos avós e amigos. Eles ficaram bem. Hoje estão na terceira série.
ResponderExcluirÉ delicada essa questão, Ana. Depende muito de cada criança. Se ela já apresenta maturidade para encarar as responsabilidades da "promoção", é legal dar essa chance a elas. Mas imagino q isso seja dificil de identificar.
ResponderExcluirAna querida, a Julia tbm tem 5 anos, e como já conhece bem o alfabeto e escreve algumas palavras, fui questionada sobre tentar colocá-la no ano inicial. Não curti a idéia, prefiro que ela curta mais esse ano, brincando mais, com menos responsabilidades que naturalmente vem com a alfabetização. Aqui no bairro a estrutura das escolas mudam, as de ciclo I nem tem parquinho e poucas atividades lúdicas.
ResponderExcluirAcredito que as crianças devem sim ser incentivadas, mas é nossa função preservá-las e garantir que elas vivam uma fase de cada vez. A Julia já é cheia de se sentir a "adulta", então tento ficar de olho. E vamos combinar, como essa molecada de hj é precoce né!?
bjs querida
Aline
Ana parabéns pela reflexão.
ResponderExcluirVc está certíssima!
O Italo entrou no 1º ano de pré (aos 4 anos) já sabendo ler e escrever, mas msm já sendo alfabeitzado o processo no pré foi super importante para o desenvolvimento da coordenação motora e da n...oção de corpo e espaço. Este ano ele pulará para a 3ª série e estou muito apreensiva mas tb muito orgulhosa da capacidade dele. E sei que se precisar de fazer um trabalho paralelo ou alguma atividade de complementação estarei a disposição dele para o processo. Se eu estivesse trabalhando talvez a promoção de série agora não seria a minha opção.
Viviane
Quando eu era pequena, adorava sair da minha sala e passear pelas turmas maiores. Acabou q com 5 anos eu estava alfabetizada, sozinha. Ja meu irmão, por decisão da minha mãe e das pedagogas, repetiu o Jardim B, para estar mais maduro quando entrasse na escola. E é assim, cada criança com seu ritmo, com seu tempo.
ResponderExcluirEu acho q se vc promove a criança de ano, tira dela um ano de infância, de brincadeira!!! Meu filho lê desdos 3 pra 4 anos. Quando trocamos de cidade na nova escola quiseram fazer ele pular e ir direto pra primeira. Eu e meu marido optamos ...por trocar de escola novamente. Eu acho q, em geral, as crianças estão deixando a infância muito cedo. Se ela é 'pulada' de ano, vai ter resoponsabilidades mais cedo e decidir seu futuro mais cedo, sem saber realmente o que ela quer. Eu optei por deixá-lo brincar mais, mesmo ele já sabendo ler, escrever e fazer contas. Minha opinião, é claro! Olhem só ele brincar: www.kidsindoors.blogspot.com
ResponderExcluirBeijo
Gisele
Ana,
ResponderExcluirachei sua opção a mais acertada.
As crianças têm que ser crianças, vão ter tempo de desenvolver sua formação no tempo certo.
Cris Guimarães
Oi Ana, parabéns pela matéria, pelo Lucca e pela decisão de vocês, pois é muito importante essa fase que os nossos pequeninos estão passando, e fora isso a Isabelle iria ficar muito triste....
ResponderExcluirBeijos.
Regina
Eu passei por isso (como a Marla) e depois vivi este impasse como mãe. Tomei decisões diferentes para os filhos, baseada não na sua capacidade intelectual (creio, sinceramente, que TODAS as crianças desta nova geração são acima da nossa média, ficamos achando que são superdotadas e tal porque os comparamos aos nossos padrões das décadas de 1970/80), mas na sua maturidade emocional. Por enquanto, aos trancos e barrancos, acho que estamos acertando.
ResponderExcluirMeninas... Muito, muito, muito obrigada pelas palavras e por dividirem comigo um pouco de suas experiências também. Decisão tomada! Com a volta as aulas talvez o Lucca sinta a falta de um amiguinho cuja mãe aceitou o convite, mas todos os demais amiguinhos estão mega felizes com a presença dele na sala... Vocês são demais! Adoro esse grupo!
ResponderExcluirAcho que o post trouxe à tona uma outra questão através dos depoimentos que se seguiram: que tipo de formação as escolas estão dando aos nossos filhos?
ResponderExcluirPergunto porque em época de ENEM, SISU, VESTIBULAR etc. que a sobrinha mais... velha encarou de frente, a cobrança pela média no ENEM das escolas fica grande e os pais pressionam a direção das escolas pra que fiquem mais exigentes etc.
Que tipo de exigências? Somente voltadas para o mercado de trabalho.
Acho que deveria pesar o tipo de cidadão que vamos formar também, já que eles serão colegas de trabalho que fazem o que for necessário pra alcançar um cargo com ou sem ética (?), profissionais que sabem trabalhar em equipe ou individualistas (?), socialmente engajado (?)... enfim, acho que decisões sobre isso também estão em jogo nas escolhas que envolvem escolaridade.
muito bom esse texto mãe
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